Setores da Odontologia: avanços e desafios da profissão

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De fato, as questões que permeiam a saúde bucal e a atuação do Cirurgião-Dentista na contribuição para a valorização da Odontologia são numerosas e amplas. Em vista disso, nas últimas décadas, a Odontologia vem passando por diversas transformações referentes à compreensão da sociedade acerca da profissão, alterações na maneira como ocorrem a formação e a prática profissional, surgimento de novas tecnologias aliadas à aplicabilidade, aspirações e perspectivas dos profissionais formados e, até mesmo, por mudanças referentes a leis e condutas que regem o inconstante mercado de trabalho.

Assim, sabe-se da necessidade de se acompanhar aspectos relacionados às tendências científicas, técnicas e sociais do exercício da Odontologia, tais como os diferentes setores que a área propõe: ensino e pesquisa; indústria; dia a dia do clínico; serviço público; e voluntariado. Conciliar o conhecimento técnico e de qualidade com referências associadas a práticas humanizadas, valorização social e introdução de novas práticas de mercado constitui-se em medidas eficazes para o reconhecimento do Cirurgião-Dentista.

E para autenticar essa condecoração, comemorado em 25 de outubro, o dia do Cirurgião-Dentista faz referência ao decreto 9.311 assinado em 1884, que criou os primeiros cursos de graduação de Odontologia do Brasil, localizados no Rio de Janeiro e na Bahia. A criação dos cursos representa o início da autonomia da Odontologia como ciência, conhecimento e, desde então, a área vem se impondo nos meios acadêmicos, mercadológicos e sociais ganhando um merecido lugar entre as ciências da saúde. Pensando nisso, este artigo propõe uma discussão sobre os avanços e desafios dos diversos setores da Odontologia.

Ensino e pesquisa: o conhecimento científico e suas novas perspectivas

Atualmente, nada se faz sem o auxílio da persistência. O ensino e a pesquisa científica representam com fidelidade o sentido literal da palavra, afinal, ambos são ferramentas para a conquista de conhecimentos, elaboração de diagnósticos, mensuração da necessidade da população, expectativas e motivações sociais. Dessa forma, persistir na Odontologia, sendo do lado acadêmico ou investigativo/científico, não é uma tarefa fácil.

Segundo o Cirurgião-Dentista, coordenador do Centro de Pesquisa de Biomecânica, Biomateriais e Biologia Celular (CPBio) e coordenador da área de Odontologia da Capes/MEC, Carlos José Soares, dentro da área muito se discute se o mais importante é o conhecimento prático ou o científico, gerando uma linha de raciocínio que leva a classe odontológica a pensar que os dois são conflitantes. “Isso não se sustenta, entendo a Odontologia como um eixo único em que a qualidade técnica e o conhecimento científico devem se associar para gerar evidência científica e qualidade nas intervenções.” Carlos menciona que a Odontologia brasileira hoje é reconhecida mundialmente nestas duas vertentes, excelente tecnicamente e consolidada cientificamente.

Sobre a pós-graduação brasileira, que está muito bem fortalecida e tem papel importante neste novo momento de novas vias de busca pelo conhecimento, Carlos destaca que “construir livros consistentes, artigos relevantes, palestras responsáveis e atraentes são vias que devem ser a prioridade na busca pelo conhecimento.” O Cirurgião-Dentista enfatiza ainda que é preciso estimular o espírito crítico e a sensibilidade social. “Nossas pesquisas precisam ser cada dia mais relevantes, inovadoras e com impacto na trajetória do clínico. Necessitamos aproximar a academia da indústria, não com o viés puro de divulgação que acaba por distanciar os pesquisadores deste meio, mas para que possamos influenciar a inovação tecnológica e criar informações e protocolos técnicos adequados. Porém, um grande desafio é fazer com que estes resultados atinjam o universo de profissionais distantes da academia. Tenho sugerido e estimulado que se crie artigos de translação do conhecimento científico de alta relevância, para artigos escritos em português e que combinem os achados mais relevantes de um conjunto de investigações com realidades de aplicação clínica para que isso possa ser facilmente assimilado pelos clínicos e assim impacte diretamente na prática profissional. Estes artigos devem ser publicados em veículos de amplo acesso ao clínico. Não há que se estimular o distanciamento da boa técnica da ciência e, sim fortalecer que elas caminhem juntas e de forma complementar, para que isso reflita em melhor qualidade na prática odontológica”.

"Cirurgião-Dentista é um privilégio divino que me faz realizado por poder formar continuamente novas gerações de profissionais e melhorar a qualidade de vida das pessoas" - Carlos José Soares

Indústria: cenários do mercado odontológico

A interação entre a indústria odontológica brasileira e o futuro acadêmico estão emparelhados. Mesmo sabendo que toda e qualquer empresa pode sofrer influências externas e internas que podem afetar tanto positiva, como negativamente o desempenho no ramo de atuação, logo em seu resultado financeiro no fim do mês, tal fato não impossibilita o crescimento das grandes empresas do mercado, muito pelo contrário, alavanca cada vez mais seu impulsionamento.

O diretor de engajamento científico da Johnson & Johnson do Brasil, com escopo regional Brasil e América Latina, José Pelino, expõe que essa área é totalmente estratégica e fundamental, pois é responsável por estabelecer e fortalecer a conexão da indústria com as sociedades, associações de classe, universidades e profissionais da área da saúde. “Temos a responsabilidade de certificar que todos os produtos estejam suportados por evidência baseada em ciência e, dessa forma, assegurar uma comunicação transparente e sincera tanto para os profissionais quanto para os consumidores”.

Pontuando sobre os desafios da indústria mercadológica, Pelino acredita que ligados à rapidez, à inovação e ao desenvolvimento de produtos que atendam de forma adequada e eficiente às necessidades dos profissionais de saúde e dos consumidores, há de fato uma interferência que dificulta o mercado. Para ele, o objetivo é fornecer produtos que promovam o bem-estar e a promoção geral de saúde com acessibilidade à população. “É importante ressaltar que focamos no cuidado com a saúde das pessoas desde o nascimento até a fase adulta, visando proporcionar uma vida mais saudável e com qualidade para todas as faixas etárias”.

"Cirurgião-Dentista é cuidar da prevenção, condição e do sorriso, além de valorizar a autoestima pensando no bem-estar do ser humano como um todo" - José Pelino

Clínica: gestão, aplicabilidade e humanização

Diante a agitação da indústria e a potencialização do ensino e pesquisa, o dia a dia no consultório odontológico pode parecer pacato e um tanto quanto clichê, porém, sabe-se que a profissão pode se desdobrar em inúmeras vertentes e render frutos extraordinários. Contudo, clinicar, administrar bem o conhecimento técnico-científico e gerir um consultório é uma tarefa árdua e cheia de desafios. Helenice Biancalana, Cirurgiã-Dentista, 2ª vice-presidente da APCD (Associação Paulista dos Cirurgiões Dentistas) e diretora do Departamento de Prevenção e Promoção da Saúde conta que o consultório é o lugar onde o profissional projeta seus sonhos e realizações. “A clínica é uma das atividades da minha profissão que me dão muito orgulho e prazer, ali consigo aplicar e desenvolver todo meu conhecimento técnico-científico com o objetivo de oferecer o melhor para o cliente, que é o foco mais importante desse trabalho”.

Sobre a gestão do consultório, Helenice comenta que possui inúmeras atividades que precisam ser desenvolvidas minuciosamente. “Além de foco, objetivo, estratégia, planejamento, organização de agenda, recursos humanos e financeiros, um dos diferenciais e talvez o mais relevante é a humanização”. Para a Cirurgiã-Dentista, que administra uma clínica voltada para duas especialidades, Odontopediatria e Ortopedia Funcional dos Maxilares, tratar de crianças é envolver-se diretamente com a família, na educação, na motivação e na colaboração. É necessário conduzir e ter o poder de convencimento e persuasão para conseguir a parceria tão importante para o sucesso do tratamento odontopediátrico. Logo, fidelizar pacientes torna-se ‘fácil’ quando o vínculo é a confiança e a credibilidade. “O público infantil é muito exigente e não se deixa enganar. O amor, o respeito e a ética são requisitos fundamentais para essa relação profissional tão envolvente que praticamente acompanha todo o crescimento e o desenvolvimento, desde bebê até a adolescência”, destaca.

"Cirurgiã-Dentista é muito mais que resgatar e manter a saúde bucal, é também ter excelência nas condutas, habilidades e conhecimentos, por meio da ética e do respeito à Odontologia e tudo o que a envolve" - Helenice Biancalana

Serviço público: Odontologia Militar e Hospitalar no cenário profissional

A Odontologia Militar cresce aceleradamente no cenário profissional. O Cirurgião-Dentista que atua dentro de uma unidade militar não carrega apenas o título de profissional de saúde bucal, ele passa a dispor de responsabilidades acarretadas que vão além da técnica odontológica, a qual o mesmo deve empregar com êxito ao cuidar da saúde bucal de militares da ativa, da reserva e seus respectivos dependentes.

Segundo o 1º Tenente Dentista do Exército Brasileiro e chefe do Serviço de Odontologia da Pastoral do Menor da Arquidiocese do Rio de Janeiro, Diego Michelini Carvalho Ribeiro, “a Odontologia Militar é a forma honrosa de defender a nação cuidando da saúde oral e sistêmica da sua tropa, que com isso, está sempre pronta para as missões em nome da pátria. O Cirurgião-Dentista nas forças armadas possui um mercado promissor e que proporciona uma enorme experiência no âmbito científico e militar propriamente dito, onde o então “Oficial Dentista” também cumpre seu papel militar frente às diversas missões às quais são designados dentro da Seção de Saúde de uma Organização Militar Operacional, ou em uma Organização Militar de Saúde, como hospitais, policlínicas e odontoclínicas”.

Contribuindo com o serviço público dentro dos hospitais, a Odontologia Hospitalar vem de encontro às necessidades da equipe multiprofissional, atualmente, muito comum dentro da rede hospitalar. Assim como a Odontologia Militar ganhou seu espaço, a Hospitalar galgou um caminho na última metade do século XX que foi determinante para a mudança atuante do profissional no ambiente hospitalar, auxiliando na atenção à saúde bucal do paciente como um todo.

Fernando Baeder, professor e coordenador do curso de Odontologia Hospitalar da Faculdade de Odontologia da APCD, esclarece que a área “pode ser definida por ações transdisciplinares preventivas, diagnósticas, terapêuticas e paliativas em saúde bucal, executadas em ambiente hospitalar.” De acordo com Baeder, o atendimento odontológico hospitalar trata pacientes sistemicamente comprometidos, pessoas que não podem ser cuidadas em ambiente ambulatorial (pacientes ASA IV e V), pacientes internados em enfermarias ou institucionalizados com outras doenças de base e pacientes in- ternados nas UTI’s, oferecendo maior segurança para os pacientes e profissionais. “Na UTI o atendimento tem como objetivo principal auxiliar no controle de morbidades como pneumonia associada a ventilação mecânica em pacientes internados nas unidades de terapia intensiva.

"Ser Cirurgião-Dentista é construir sorrisos, expectativas e proporcionar a saúde sistêmica a partir da saúde oral" - Diego Michelini

Voluntariado: a experiência de um projeto de extensão da Odontologia

Sabendo que o serviço voluntário é um importante meio facilitador de interações dinâmicas e verdadeiras entre o Cirurgião-Dentista e a comunidade – essa que apresenta características socioeconômicas e culturais bem diferentes das encontradas no grupo social – o reconhecimento do voluntariado passa a ser notório.

Cuidar ativamente da saúde bucal do paciente é a verdadeira essência da profissão, logo, ser voluntário de qualquer ação social é amar ao próximo, desenvolver saúde, promover mudanças e colocar em prática o dom que leva alegria, amor e esperança.

Nesse cenário, Caio Machado, presidente do projeto “Doutores sem Fronteiras” – que visa levar atendimento odontológico para terras indígenas e populações ribeirinhas – conta sobre a experiência do voluntariado e o que isso agrega na vida profissional e pessoal. “Deixamos de lado nosso ego, nossa intolerância e agradecemos pela nossa escolha. Vemos que o trabalho árduo, sem remuneração e muitas vezes estressante, ensina-nos que a nossa profissão é linda e desafiadora. O crescimento da Odontologia depende muito dessas ações. Não temos o direito de passar o nosso conhecimento apenas para quem pode pagar e a Odontologia é muito mais do que isso”.

"Ser Cirurgião-Dentista é ser humano, levando e deixando sorrisos por onde passa" - Caio Machado

Do ponto de vista de Mauricio Querido, presidente da ONG “Amigo da Vez”, que tem como foco atender às populações carentes oferecendo serviços em saúde e cultura, “pensamos muito em deixar um legado para as crianças. Acreditamos que ao disponibilizar informações e orientações de maneira lúdica e atrativa, conduzimos todos a entenderem a relevância que a saúde bucal tem para a qualidade de vida, o relacionamento social, interpessoal e até mesmo para conseguir um emprego. Além disto, estas crianças, jovens e adultos levam esta instrução para seus familiares e amigos, disseminando o conhecimento recém adquirido. Consequentemente, serão adultos com boa saúde bucal e este é o principal legado que a nossa ONG está deixando para estas comunidades”.

"Cirurgião-Dentista, para mim, é conseguir receber um sorriso brilhante e sincero no olhar das pessoas" - Maurício Querido.

Fonte: Associação Paulista dos Cirurgiões Dentistas (APCD). Disponível em: http://www.apcd.org.br/index.php/noticias/1066/em-foco/25-10-2017/setores-da-odontologia-avancos-e-desafios-da-profissao. Acesso em: 21/10/2020.